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domingo, 23 de março de 2014

A GUERRA: Ayrton Senna e Nelson Piquet

A eterna querela entre 'sennistas' e 'piquetistas' sobre uma disputa que não ocorreu

Lá se vão 20 anos desde a morte de Ayrton Senna e 27 anos desde que Nelson Piquet conquistou seu terceiro campeonato mundial. Mas falar de um, em um diálogo, abre como que um portal para que alguém logo pronuncie o nome do outro. Exatamente como acontecia logo que Senna começou a despontar. Há uma eterna comparação. Natural quando colocamos lado a lado grandes campeões. Isso vale para o futebol, quando se pergunta Pelé ou Garrincha, ou para o basquete quando falavam de Jordan e Magic Johnson. Até aí, tudo ok.

Mas sob os nomes de Piquet e Senna há mais que isso: uma guerra insana entre seus fãs. Hoje é realmente minoria quem tem os dois como ídolos. Parece ser coisa da vida ter que escolher entre ser “sennista” ou “piquetista”. E parece realmente uma ofensa para um grupo ouvir pronunciar o nome do ídolo do outro. Não faz muito sentido, mas explica-se. Primeiro, é bom dizer: Senna e Piquet nunca duelaram verdadeiramente nas pistas. São de gerações diferentes. Se cruzaram no início de um e no fim do outro. Nos dois primeiros títulos de Piquet (1981 e 1983), Senna não estava na F1. No terceiro, em 1987, Senna fazia a transição, em uma equipe média àquela altura, para as grandes. Ganhou duas corridas e ficou em terceiro no campeonato, mas não se questiona que não tinha condições de brigar pelo título.

Piquet, por outro lado, nos três títulos de Senna, já estava em fase final de carreira, também em carros que não lhe permitiriam brigar pelo campeonato. Quando Senna ganhou o primeiro, Piquet não venceu uma corrida sequer. A McLaren reinava. Em 1990, só ganhou as duas últimas corridas do campeonato, pois Senna e Prost estavam resolvendo diferenças fora da pista. Em 1991, ano do último título de Senna, Piquet só venceu o GP do Canadá, que Senna não completou.

Em resumo, na pista, quando um tinha carro para ser campeão, o outro não tinha. Por isso, tirando algumas poucas curvas e uma ou duas corridas, nunca brigaram para valer na pista. Não houve acidentes entre eles ou qualquer desavença por motivo de competição. Talvez isso explique as razões pelas quais não se consiga chegar a um entendimento em um debate sobe o talento de cada um. Senna e Piquet não foram, portanto, competidores. Foram, por outro lado, inimigos. Isso ninguém questiona, embora nos últimos anos quem se cansou dessa eterna rinha tenha tentado amenizar um pouco as coisas.

As razões de discussão ficaram sempre fora da pista e se iniciaram, aparentemente, com pequenos mal entendidos, alimentados pela imprensa que tinha aquilo como um roteiro de filme ideal para promover a categoria no Brasil. A primeira se deu ainda no início dos tempos de Senna na Fórmula 1, em 1983. Foi quando Ayrton testou pela Brabham, em uma comparação com Nelson Piquet pedida por Bernie Ecclestone, então dono da equipe. Ao que consta, não diz verdade quem afirma que Senna bateu Piquet, e nem os que dizem que Piquet vetou Ayrton. Naturalmente, Nelson foi o mais rápido em condições iguais, o que era natural para um já bicampeão mundial contra um piloto que ainda não havia feito uma temporada. Por outro lado, a versão de que Piquet vetou Ayrton por ter se impressionado com seus bons resultados também não procede. Nelson jura que a Parmalat vetou Ayrton. Conhecendo sua sinceridade, parece plausível. Senna, no entanto, ouviu dizer o contrário.

Piquet não perdoou Senna por sair por aí dizendo que ele o boicotou por temê-lo e, em 1988, ironizou ao assumir o cockpit da Lotus que havia sido do brasileiro na temporada passada. Ao testar o carro que Senna usara na terceira colocação do ano anterior, afirmou que, primeiro, havia desinfetado o bólido. A repercussão negativa fez Piquet, posteriormente, elogiar Senna, prever seu título mundial no futuro, o que viria naquele ano, mas deu novo gás para a querela. E Ayrton caiu na pilha. Depois de desaparecer por toda a pré-temporada, ironizou: “Não tem sentido uma pessoa ser tricampeã do mundo e eu continuar sendo assunto. Já que ninguém gosta muito dele, o único jeito era eu sumir para que ele pudesse aparecer um pouco". Piquet sentiu o golpe e reagiu com a frase que colocaria uma pedra em qualquer possibilidade de uma futura boa convivência entre os dois: “ele sumiu para não explicar que não gosta de mulher”.

O que se viu na sequência foi Senna interpelar Piquet na Justiça, chamá-lo de débil mental e defender que fosse internado em um hospício. E, a partir daí, todos sabem, nem em entrevistas conjuntas eles queriam aparecer. Seis anos depois do ápice do clima ruim entre eles, Senna morreu. Piquet não foi ao enterro. Não chegou a ser desrespeitoso, mas declarou que não o fez pois seria “demagogia”. Deixou claro em uma entrevista a Marília Gabriela que não era amigo e que não faria como Prost, que foi ao enterro mesmo tendo atacado Senna tantas vezes no passado. Fato é que sua ausência alimentou as discussões sobre o ódio entre os dois.

Talvez o tempo fosse fazê-los sentarem à mesa para conversar. O próprio Prost garante que isso aconteceu entre ele e Senna. As poucas imagens dos dois nos últimos dias de vida de Ayrton confirmam que eles estavam mais próximos. Mas Senna morreu antes que o tempo decantasse o ódio mútuo na relação com Piquet. Por isso, continuam inimigos até hoje. Um lá e outro cá. O que ficou, por ser sincero e brincalhão, quase um sem noção, não tem condição de resolver a desavença sozinho. Quando fala, aumenta a polêmica, como quando respondeu a Mansell que era melhor que Senna pois sobreviveu e, Ayrton, não.

Restaria a tarefa então aos fãs de ambos os lados, mas uns seguem a amargura de Senna e, outros, a agressividade de Piquet. E, assim, a guerra continuará. A propósito, faço parte da pequena parcela que adora um, sem odiar o outro. Sou da geração Senna, o que naturalmente me fez ser “sennista” com orgulho, e não “piquetista”. Mas também seria igualmente “piquetista” com orgulho se tivesse visto na época o que só vejo através de VTs e relatos de um tempo que ainda não era capaz de entender. No fundo, queria que os dois fossem um só. Aí, sim, teria sido o maior de todos sem qualquer discussão.

 
 
Fonte: O Tempo

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